domingo, 29 de maio de 2016

Subversivo

Pensaram que iriam ser
pensaram em querer
pensaram em amar
pensaram
até que o pensar acabou

Sentiram que não iam comer
sentiram que não iam beber
sentiram que não iam viver
até que o sentido acabou

Sonharam que iam ser livres
sonharam que iam 
sonharam com amor
até que o sonho acabou

Tentaram, morderam, espernearam
Juraram aos céus e ao inferno
Mas tudo acabou

Morreu, subversivo infernal!

sábado, 28 de maio de 2016

Não alucinogéno

Parece que tudo o que eu conheço desaparece, as convicções mudam a cada dia, como se o café perdesse o sabor. Os sons são as únicas coisas que me envolvem. Buscam a inconsciência nas substâncias alucinogénas, no álcool, na fumaça de cheiro forte do cigarro. Os artistas, pelo menos os mais iminentes afloravam suas mais preciosas ideias após o consumo da inconsciência.
Já eu, sinto vazio desses alucinogénos.
Quando escrevo, sinto a alucinação vinda de um coração rosa, de uma mente doente, de um sentimento sem sentimento, de lágrimas de fogo. A própria vida e seus instantes piram mais do que qualquer droga. Preciso de drogas, claro, mas não para conseguir ser, mas para sobreviver aos percalços naturais.
Espirro.
Tosse.
Rouquidão.
 Vão falar, porque gostam de falar, que sou estranho, ou ao menos vão pensar, esse ser é de outro planeta, ou não falarão nada, porque não se tem o que falar. Prefiro uma inconsciência plena, musical, poética, que esfumaçada, psicodélica, desenfreada.
Ser tudo isso é tão macabro quanto maquiavélico.

Ser tudo isso é ser eu.

domingo, 15 de maio de 2016

Telhado

as horas vão indo, como as areias na ampulheta
escorre o relógio na beira da cama
eu continuo acordado, saio, fecho e abro a porta
tem estrelas? não tem estrelas?
maldita insônia!

por fim suspiro
tem estrelas, o vento está frio
entro de novo, ponho a blusa, esquento um café
e silêncio

.                                                                                                 .
.                                                                                                 .
.                                                                                                 .
.                                                                                                 .
.                                                                                                 .

ai escuto um gato, em cima do telhado
olhos amarelos, cor de sol
como é possível, se o céu ainda é cor de noite?

ele sorri, eu choro, termino o café
tento deslumbrar algumas palavras
o vento frio volta
uma folha começa a cair

silêncio novamente
mas agora, dentro de mim


domingo, 8 de maio de 2016

Normalidade

  A normalidade nos faz perder a coragem. Quando algo é sempre, tende a cair no fim, isso, infelizmente, passo, e a passagem é algo importante, remete a um novo começo, ou a uma nostalgia eterna, e aqui, neste ponto, o sempre não cai no fim, ele se renova, na alma, faz sofrer.
  A normalidade causa medo e medo causa dor. Ter prazer, ser feliz está além, além de tudo, já tentou imaginar um mundo infeliz? Tudo seria cinza, as pessoas padronizadas, não haveria riso, cairia na normalidade. Já por outro lado, uma cidade feliz seria de cores, as pessoas se vestiriam de vermelho, amarelo, os padrões seriam aniquilados, existiria sempre o riso, a felicidade.
  Portanto, tudo que é dito nem sempre é a verdade, felicidade é indefinida, a tristeza tem ar de felicidade, e a felicidade um ar de tristeza, quem nunca se sentiu sozinho no meio de uma multidão e acompanhado sozinho? A questão da felicidade está no simples ato de ser, ser quem você quiser ser. 

terça-feira, 3 de maio de 2016

São ao vento

Os tempos estão cada vez mais caminhando para o reverso, sim, estão estáticos, parados, na verdade, movendo-se pouco a pouco, o que restou de nós fica preso, remoendo, dentro de mim, dentro do que eu sinto. Parece clichê de escritor de meia boca, entretanto, é fato dizer que os dias estão cinza, o sol não brilha com a mesma intensidade, lembro recentemente de quando ainda podíamos compartilhar o mesmo sorriso e a mesma alegria, os mesmos trejeitos, os mesmos desejos, o calor era irradiante, sempre nos enlaçava e nos colocava para dormir, mesmo que você não gostasse de sol, aí, como era os dias, rápidos, tranquilos, aromáticos, e agora anda, sempre indo para trás, indo cada vez mais para trás, retornando como se não tivesse fim.
É lamentável, a situação da qual estou, digo de mim, pois meu coração não é de ferro, mas de carne e como Saramago delineou, por ser assim ele sangra todos os dias, sangra por falta de vontade, sangra por falta de esperança, sangra por falta, sofremos porque a ausência é mais forte que a presença, e o choro mais forte que o consolo. Consolar é tentar acalmar um tumulto de pássaros selvagens e amar é ser tudo e ser nada ao mesmo tempo, em todo momento, em cada seguimento, em todas as sentenças. Quando se delimita e se põe fim a uma história, se põe fim a um amor, e todas as vezes que cogitamos amor, cogitamos o profano, o amor sagrado existe, quando há reciprocidade, da vida com o individuo, do individuo com seu reflexo e do individuo com outro individuo.
É parte inseparável da matéria a disciplina de tentar, mesmo que falhando descobrir ou melhor significar o ato de interesses contraditórios, o que é amar. Passei, passo, por essas entrelinhas e meu passo diminui, o ato do tempo voltar é o ato de fazer regredir os sentimentos, quando se ama, se reverbera e quando acaba, o eco permanece, tilintando nos ouvidos, nos olhos, no corpo, no coração e na alma.
Esses que dizem, que berram o que é amar, desconhecem-no, eu o desconheço, e o próprio amor se desconhece, saber amar é viver quase como uma eternidade encontrando uma identidade para essa palavra. Profundissimamente e cada vez mais, calado e cada vez mais, soturno e cada vez mais, as esperanças de quem já conheceu essa falta de identidade, sabe, que pouco a pouco se perde a sanidade, aquela, em que se há razão, e começa-se a viver numa realidade alternativa de termos subjetivos, de vidas dissolvidas.
O que ficou preso era nós, não se liberta mais, escrevi maravilhas e ficaram presas nas prateleiras, nos livros de capa de couro, nas linhas e agora não existe nós, acabou, findou e agora, essas palavras são ao vento.