segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Idas e vidas

Sou feito de muitas idas
e de poucas vidas
cada instante é uma partida
sem outrora, sem caminho, sem história

Parto o abraço, o beijo de boca em boca
parto as alegrias, e a única coisa que carrego comigo é a tristeza

Par(t)i para o mundo 
e pertenço a ele agora, 
mesmo que levar peças faltando no ser doa

Não permanecer é temer
que as coisas não mudem
e por isso a ida dói menos
do que a vi(n)da.  

terça-feira, 20 de setembro de 2016

O protetor do Rio

    
É no silêncio que nascem as histórias. Foi no grande Rio, o querido São Francisco que todas as nossas terras nasceram, das lágrimas e dos lamentos de Iati somos filhos abençoados. Nunca diga que seu sofrimento ou de sua tribo é em nível igual de Iati. Ela nos presenteou com vida, mesmo em sua dor, e das lágrimas que hoje formam o Velho Chico, nasce esperança, vontade, amor, e alimento para os desconsolados e saudosos.
   Como o choro de Iati e o silêncio dos corpos, o Rio é vivo. Permeia, conquista, encanta os homens para sua glória e desgraça, eleva as almas dos afogados até as estrelas, todas as noites, enquanto a Mãe d'Água senta nas pedras para pentear seus longos cabelos.
    O Rio, entretanto, perdeu seu protetor há muito tempo. O Rio é amor, mas os brancos o maltratam e até mesmo se esquecem que é do Velho Chico que emana toda força vital.
   Num tempo de intempéries, Domingos e Camila perfaziam os passos de Iati e seu amado guerreiro. Atendendo aos desejos de sua tribo trouxeram à tona a essência do Grande Rio, nisto, a Mãe d'Água se agradava e os deuses do Céu e da Terra confiaram de novo no homem, de que pode ser bom.
    Em todos os seus passos, Camila e Domingos exaltavam a beleza do Rio, e cada dia mais a Mãe d'Água se apaixonava por eles.


Naqueles dias o Rio ficava mais vivo, mais forte, mais desejoso, suas águas ficavam de outra cor, os peixes abundavam e sempre quando a meia noite o Rio dormia, Mãe d'Água elevava seu canto que acalentava a alma dos ribeirinhos.
  Em certo dia, na calada de uma noite morna, a Mãe d'Água e todos os seres amigos do Rio escolheram Domingos para ser seu novo protetor, tamanha coragem, força, vontade, fé, que transmitiria ao Rio quando nele estava, além disso, Domingos, segundo os seres do Rio tinha respeito ao silêncio das lágrimas de Iati.
   Camila e Domingos numa tarde escolhida por Quaraci (a deusa do Sol) decidiram mergulhar no Velho Chico. Suas águas estavam calmas e havia riso e alegria. Mas, é neste dia, escolhido pelo Grande Sol e com a benção do Rio, que Domingos seria destinado. Num certo momento, as águas mais profundas do Rio o prenderam, Camila ficou desesperada e tentou de todas as formas tirar seu amigo que estava imobilizado. Domingos sentia medo, mas as águas que o prendiam tentavam acalmá-lo. Camila gritava, e o bom guerreiro então entendeu.
  O Rio o incorporou, puxou para ele e sua alma desprendeu de sua casca e era agora filho de Mãe d'Água, parte do Rio. O Velho Chico criado pelas lágrimas de Iati agora se completa com as lágrimas de Camila, ambas dolorosas e puras.
  Desde então Domingos protege o Velho Chico das pessoas que maltratam suas águas, seus afluentes e seus seres, derruba embarcações e afunda pescadores de mal coração. Domingos morreu para transcender sua bondade e agora é recompensado com a sina de proteger o Rio São Francisco.
      

domingo, 18 de setembro de 2016

Intensidade

Dizem que os ventos escrevem um novo evangelho, e o amor espalha a esperança, dizem palavras que nada significam e dizem que tudo na verdade é nada. Os seus olhos grandes como planetas e tua pele macia como espuma, teus dedos finos como de músicos e tua beleza como de uma deusa. Eu sou apenas um observador da essência que transcende de ti. Sou uma pena que descreve versos enquanto minha alma caminha com a sua. Inverso nesse teu universo é que escrevo os versos da sua intensidade.
- Deixa eu me afogar em ti?
- Deixo.
Mergulhei como se não quisesse voltar a respirar. Mãos que clamam, a respiração ofegante apenas quando teu beijo me sufoca. A vela tremula a chama que agora está nos corpos. Só eu e você.
Parece meio clichê os dualismos criados, mas o amor que transpassa no toque singelo faz com que a monotonia se quebre. Tudo é clichê, e tudo deixa de ser clichê quando está subvertido na essência mútua.
Meus arranhões na sua pele são minhas linhas, teu corpo meus versos, seus olhares poesia, nosso encontro, mar salgado de Pessoa, teu amor alegria.
É, sejamos o nosso próprio evangelho.

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Alegres tristes trapézios que riem

Trapézios Trapézios  Trapézios  Tristes       Trapézios Trapézios Trapézios Tristes       Trapézios  Trapézios  Trapézios Tristes
alegres      tristes        alegres      trapézios   alegres      alegres
alegres      tristes        alegres      trapézios   tristes       tristes
alegres      tristes        alegres      trapézios   alegres      tristes

                 Mil e uma utilidades,
                                mas                                                                                              vazios perante a
                               tristeza latente
                                           do corpo que                                                                                                         não sabe, 
                                                               se clama, 
                                                                       se chora
                                                                                     se ri.

domingo, 11 de setembro de 2016

Lágrimas medíocres de um poeta solitário

Chorei mais do que devia e não percebi que os detalhes é que davam vida as minhas esperanças. Chorei até não aguentar, até secar todo o tipo de substância aquosa do meu corpo. Verti em demasia minha alma e tentei até sorrir, mas a impossibilidade era latente. Por que chorava? Não sabia. 

É pressuposto o sofrimento, parece que é inato na gente, nosso plano de fundo. Poesia para os poetas medíocres que já não sabem o que escrever, e porque escrevem? Pela sobrevivência plena. Esse é o modo do poeta de aproveitar o dia, colher as angústias de um mundo de infortúnios. 

Chorei, então, pois percebi que não sou nada a não ser um nada, jogado na desesperança e atrelado ao peso de não ser ninguém. Chorei porque cansei de ser fundo, quero ser deserto. Ao invés de amor, quero regar minhas tristezas para que quiçá arvoresça esperança. 

Chorei então amiúde e sozinho, sem que ninguém entendesse o significado de mim. 

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Os mil amores de Patrícia

ela talvez sabia o que queria
ou o que queria era apenas não querer
mas Patrícia achava que se podia ter amor
onde quer que fosse
na rua, na esquina, até na padaria
com suas famigeradas moscas

Ela vivia de amores, dizia que não
até recusava flores, mas o coração dela sempre dizia mais alto
de todos os males o pior, seus beijos
eram flechas de paixão, perfura os mais escondidos desejos
e deixava ela num estado digamos
encantadinha

Patrícia vivia, cansada, mas cultivava seus mil amores
um para cada dia, um para cada vício, um para cada trago
porque o destino dela era permeado de estragos

ela, Patrícia, seus mil amores
fazia uma cena feliz
de querer o bem querer, de ser amores
de comer amora, de viver sem dor
apenas indo.


quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Gente

É uma hora acontece
a vida decide para a gente
perder quem a gente reconhece

E vem com cartão postal rasgado
e recadinho de nunca mais
e a gente olha meio sem saber
e a gente fica sem entender
porque assim, por causa disso, ou daquilo?
pôs fim e olha que nem é o fim do mundo

mas acontece, a gente tenta entender

entender é difícil, mas a gente tenta
saudade rasgada, coração passado no frio
e agora eu me entrego a outro alguém
e olha que você foi um outro também
mas agora não é mais nada
queria que fosse, mas não é mais nada

entreguei meus poemas que era de outro alguém
e ficou reservado a você, mas isso já não significa mais nada
pobre de mim que acreditei
pensei que mesmo sem o coração em mim
meus poemas podiam estar reservados
mas voltaram, e por fim voltaram e assim findaram

de você restam os personagens e a poesia
o silêncio, a nostalgia, porque saudade
já não existe mais. Acabou. Só sobrou eu. 

Pássaros do amanhã

Os pássaros me acordam todos os dias
chegam até a porta da minha casa
e adentram minha alma

Trazem consigo o canto doce
Melodia que acalma os espíritos e os demônios mais perturbados

as vezes, eles não se acalmam
e a melancolia vira poesia

tristeza alegria
alegria alergia
alergia amnésia
dos dias ruins

Outras vezes, os pássaros nem gostam de chegar em casa
apenas cantam, xingamentos e outros floreios do amanhã

sou obrigado então a permanecer neste mundo tenebroso
querendo quase em todos os outrora ter fugido para aniquilar o que não era vida


Assim, sou, um sim, ou um não
os pássaros são na verdade, nada
e eu sou mais algum.